As origens da canção Couro de Boi

Teddy Vieira, coautor de Couro de Boi

Na obra Música Caipira – as 270 maiores modas de todos os tempos, o jornalista José Hamilton Ribeiro, comentado a canção “Couro de Boi”, de Palmeira e Teddy Vieira, diz tratar-se de “uma fábula de família, com todo o jeito de ser algo imemorial, que passa de geração a geração”. E, mesmo sem ir além da especulação, ele está certo. Na França, no séc. XIX, Joseph Bédier, autor da versão literária de Tristão e Isolda, incluiu a história do velho que é expulso de casa pelo filho ingrato entre os fabliaux de sua terra. O professor Bráulio do Nascimento informa que o conto-tipoA Manta Partida (O Filho Ingratofigura no Livro dos Exemplos por ABC, de Sanchez Vercial, e no Espéculo de los Leigos, anteriores ao século XVI". O pai é abandonado pelo filho desnaturado numa montanha. Recebe deste uma manta, mas, antes que ele se vá,  o velho divide-a ao meio, recomendando-lhe que a guarde para a velhice, para quando o seu filho o trouxer para o mesmo local.

Nos Kinder-und Hausmärchen, dos Irmãos Grimm, a versão é O Filho Ingrato, na qual o filho esconde um frango assado do pai, já bem velhinho. O frango, por castigo, se transforma num asqueroso sapo que se agarra ao rosto do malvado, para nunca mais soltar. Mais próxima das versões brasileira, classificada como AT 980, é O Avô e o Netinho, também constante da célebre antologia dos Grimm. O velho é malquisto do filho e da nora, e, quando deixa cair uma tigela de sopa, as coisas só pioram. É-lhe oferecida outra tigela de madeira, simples e grosseira, aumentando mais ainda a humilhação. O netinho de quatro anos começa a juntar pedaços de madeira do chão e, indagado pelo pai, diz que está fazendo uma gamela “para dar de comer a papai e a mamãe quando eu for grande”.

No Brasil, foram recolhidas versões por Câmara Cascudo (em Natal) e Waldemar Iglésias Fernandez (em Piracicaba). O cancioneiro caipira que, como o cordel, bebe na fonte imaterial da tradição, conservou a versão em que a manta é substituída pelo couro de boi, comprovando o poder da pecuária, dando coloração local a um tema universal. Abaixo, a bela letra de Teddy Vieira e Palmeira:

Conheço um velho ditado

Que é do tempo do zagai:

Um pai trata dez filho,

Dez filho não trata um pai.


Sentindo o peso dos anos,

Sem poder mais trabalhar,

O velho peão estradeiro

Com seu filho foi morar.

O rapaz era casado

E a mulher deu de implicar:

Você manda o velho embora

Se não quiser que eu vá.

E o rapaz, coração duro,

Com o velhinho foi falar:


Para o senhor se mudar

Meu pai eu vim lhe pedir,

Hoje aqui da minha casa

O senhor tem que sair.

Leva este couro de boi,

Que eu acabei de curtir,

Pra lhe servir de coberta

Adonde o senhor dormir.


O pobre velho calado

Pegou o couro e saiu.

Seu neto de oito anos,

Que aquela cena assistiu,

Correu atrás do avó,

Seu paletó sacudiu,

Metade daquele couro,

Chorando, ele pediu.


O velhinho comovido

Pra não ver o neto chorando,

Partiu o couro no meio

E pro netinho foi dando.

O menino chegou em casa,

Seu pai foi lhe perguntando:

Pra que você quer esse couro

Que seu avô ia levando?


Disse o menino ao pai:

Um dia vou me casar,

O senhor vai ficar velho

E comigo vem morar.

Pode ser que aconteça

De nós não se combinar,

Esta metade do couro

Vou dar pro senhor levar.

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